01/09/2023 às 09h58min - Atualizada em 01/09/2023 às 10h02min

Literatura YA: ficção para jovens que bomba no TikTok e lota as bienais do livro

Livros destinados originalmente para o público entre 14 e 25 anos mudaram o mercado editorial brasileiro e formaram geração de leitores e autores

oglobo.globo.com
Foto: Arte de Gustavo Amaral
Semana que vem, no sábado (9), a programação vai terminar em farra na Bienal do Livro, que começa hoje no Riocentro, na Zona Oeste carioca. Uma mesa, intitulada “Livros & música & festa”, vai reunir o influenciador Luca Guadagnini e os escritores Pedro Rhuas, Vinícius Grossos e Clara Alves, uma das curadoras da Bienal. A ideia é celebrar a literatura YA (de Young Adult), como hoje são chamados os livros para jovens entre 14 e 25 anos, embora o público nem sempre se restrinja a esta faixa etária. Os autores vão se esbaldar em meio ao público de “jovens adultos” ao som de uma playlist elaborada por eles (Clara promete que não vai faltar Taylor Swift). Há razão para festejar. A literatura YA forma leitores, reforça o caixa das editoras, bomba no TikTok e atrai multidões para as bienais.

“A grande festa do livro”, título que celebra os 40 anos da Bienal do Rio, mostra que o público do evento é cada vez mais jovem. Em 2007, 24% dos visitantes tinham entre 15 e 29 anos. Na última edição, em 2021, metade variava entre 18 e 25 anos. A mudança se reflete na programação, que traz 36 autores YA (cerca de 10% do total) e inclui ídolos desta turma, como a americana Cassandra Clare, autora da série “Instrumentos mortais”, e as brasileiras Paula Pimenta e Thalita Rebouças. Aliás, para apoiar o surgimento de novas vozes YA no país, será anunciado nesta sexta (1º), na Bienal, o Prêmio Amazon e HarperCollins de Literatura Jovem.

De olho nesta parcela do público, as editoras abarrotam estandes com títulos YA e promovem sessões de autógrafos com autores. Editora da Alt, selo jovem da Globo Livros, Paula Drummond explica que o setor corre para lançar títulos antes ou durante a Bienal. A Alt reservou “Orgulho e preconceito e nós duas”, romance lésbico de Rachel Lippincott, para lançar no evento (a autora está na programação). Já a Galera publica “Finalmente 15”, coletânea de contos YA brasileiros em comemoração ao 15º aniversário do selo jovem da editora Record. E a Ediouro apresenta um novo selo YA: Livros de Alice, que estreia com o romance “As músicas que você nunca ouviu”, de Becky Jerams e Ellie Wyatt (o título inclui um código QR que dá acesso a um álbum de 14 músicas compostas pelas autoras).

— A Bienal não é só uma vitrine. É também onde recebemos feedback dos leitores e ficamos sabendo que histórias eles querem ler. É só prestar atenção às conversas e aos livros que eles mais pedem no estande — diz Paula.

YA não é exatamente um gênero literário, mas um rótulo colado em obras destinadas aos jovens. Um livro YA pode ser uma comédia romântica (como “Heartstopper”, de Alice Oseman), uma história chorosa (“A culpa é das estrelas”, de John Green) ou uma fantasia distópica (“Jogos vorazes”, de Suzanne Collins). O que aproxima tramas tão diversas são os protagonistas adolescentes ou no início da fase adulta, que enfrentam provações dessas etapas da vida: primeiro amor, conflitos familiares, iniciação sexual, entrada na faculdade ou no mercado de trabalho, construção da própria identidade etc. Rafaella Machado, editora executiva da Record, diz que ficção YA “é sobre personagens se descobrindo, seja que gostam de meninos ou meninas, ou dos dois, ou de nada, seja que têm superpoderes”.

No Brasil, a literatura YA estourou depois da publicação de “Harry Potter”, em 2000. É claro que havia literatura para jovens antes da chegada do bruxinho ao país. No entanto, explica Mariana Rolier, curadora editorial dos Livros de Alice, os títulos juvenis pré-Harry Potter não se assumiam como entretenimento (o que a ficção YA não tem vergonha de fazer) e eram muito associados a leituras escolares.

Depois do feitiço de J.K. Rowling, os jovens leitores brasileiros abraçaram outros livros (de diferentes gêneros) que contribuíram para consolidar a literatura YA no Brasil: a saga “Crepúsculo”, histórias de personagens adoentados (apelidadas de “sick-lit”), fantasias de autores como Rick Riordan e Sarah J. Mass e romances com protagonismo LGBTQIAPN+. Na pandemia, a ficção jovem ganhou um aliado de peso: o TikTok, que se transformou numa fábrica de best-sellers.


Próxima geração

Tanto sucesso colocou em xeque a velha reclamação de que “o jovem não lê”. O jovem lê e escreve. Não são poucos os leitores de YA que, mais tarde, começaram a criar suas próprias histórias. Vários autores que estão nesta Bienal, como Elayne Baeta, Juan Jullian e Ray Tavares, estrearam em plataformas de autopublicação e seguiram para grandes editoras. Clara Alves conta que sempre recebe mensagens de jovens que se tornaram leitores após descobrir seu livro “Conectadas” (Seguinte), sobre duas meninas gamers que se apaixonam e que já vendeu mais de cem mil cópias. Ela própria começou escrevendo no Ortkut, influenciada por “Harry Potter”.

Um levantamento da Nielsen Book mostra que a venda de títulos YA cresceu 56% entre 2019 e 2022 (saltou de 6,9 milhões para 10,8 milhões) e já representava 18,6% do comércio de livros no país no ano passado. A ficção para jovens já corresponde a 20% do faturamento da Globo Livros. Na Autêntica, o selo Gutenberg é o que mais vende em livrarias e garante 28% dos resultados da editora. Na Record, mais de 30% do faturamento já vem do YA. A Companhia das Letras afirma que, desde 2012, a participação do selo jovem Seguinte nos resultados do grupo dobrou.

A explosão da literatura YA forçou o setor a se adaptar a leitores que não pensam duas vezes antes de reclamar, mas também inventam até apelidos para seus selos preferidos (a Galera é a Gal; a Gutenberg, a Gut).

— É um público fiel, que deixa claro quando gosta e quando não gosta. Eles veem os livros lançados lá fora e pedem para publicarmos aqui. Dão até sugestão de tradutor e ilustrador — conta Judith Almeida, gerente comercial da Autêntica.

Rafaella Machado, da Record, afirma que a ficção YA antecipa tendências. Os jovens foram os primeiros a exigir uma literatura com mais autores e personagens LGBTQIAPN+ e que não fossem brancos. Também obrigaram os editores a prestarem mais atenção nas redes sociais.

— Agora, temos que estar no TikTok, nos fóruns da internet e nas filas da Bienal para saber o que vai bombar — diz ela. — Precisamos estar prontos para críticas pesadas, não podemos errar no preço e temos que reaprender a ser jovens o tempo todo, porque a cada cinco anos o público já é outro.

Essa mudança geracional e a renovação periódica das modas literárias (da sick-lit à fantasia) explicam parte da expansão constante dos selos YA. E muito leitor continua apegado à ficção jovem mesmo depois dos 25 anos.

— Isso tem a ver com certa nostalgia das primeiras vezes. Mesmo com mais de 30 anos, quando beijamos uma nova pessoa, temos a esperança de que seja especial como foi o nosso primeiro beijo. A literatura YA nos permite reviver essas experiências — acredita Mariana Rolier, da Ediouro.

Para Clara Alves, tantos adultos são fiéis à literatura YA porque encontram nela histórias que gostariam de ter lido quando enfrentavam dilemas até então ignorados pela ficção jovem, como a aceitação da própria sexualidade. Hoje, adolescentes de todas as orientações sexuais têm acesso a livros protagonizados por jovens como eles, o que era raro há uma década. É por isso, diz Clara, que os autores YA de sua geração, já na faixa dos 30 anos, seguem na ficção jovem:

— Tenho vontade de trazer conflitos adultos para os meus livros, mas ainda tenho muita história para contar para a Clara de 15 anos.


 
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